A Odontologia brasileira galgou um caminho na última metade do século XX que foi determinante para haver a mudança da mentalidade no profissional atuante em ambiente hospitalar.

Nas complexas situações vividas pelos pacientes em condições críticas várias das condutas comumente utilizadas nos consultórios tradicionais não mais se aplicavam.

Isto fez com que houvesse uma aproximação destes dentistas com os profissionais das outras áreas da saúde possibilitando troca de informações e provocando consequente aumento do plano de visão do CD hospitalar.

Alguns baluartes desta mudança de paradigma não se expõem muito e dificultam seu devido reconhecimento nos textos mais modernos.
Assim, o Portal da Medicina Oral pretende mostrar aos novos que os ganhos obtidos hoje se devem, em muito, aos que batalharam, no passado, para colocar a Odontologia em seu devido local de destaque no contexto da preservação integral da saúde.

No 1º Encontro de Odontologia das Comissões de Odontologia Hospitalar ocorrido em Minas Gerais tivemos a oportunidade de conhecer mais um desses gigantes, o CD e Médico Paulo Fernando Martins, também pai da organizadora do Encontro e presidente da Comissão de OH do CROMG, Dra. Maria Thereza Martins.

A seguir a entrevista concedida pelo Dr. Paulo Martins ao Portal da Medicina Oral:

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PMO: Prezado Dr. Paulo, conte um pouco a sua história de atendimento hospitalar. Como começou, como foi o início do trabalho no HEMOMINAS? Quais as dificuldades iniciais? Quando se tornou chefe do serviço e por quanto tempo exerceu a função?

Dr. Paulo Martins: Os primeiros serviços de odontologia hospitalar em Belo Horizonte, Minas Gerais, começaram no final da década de 70 e início da década de 80. O atendimento odontológico aos hemofílicos iniciou-se em 1975, no Hospital Felício Rocho, com limitações e muitas dificuldades. Os pacientes eram atendidos para tratamento cirúrgico e urgências (sangramentos, abscessos, extrações, etc.) sob o regime de anestesia geral. Não se fazia atendimento na área clínica, dessa forma havia uma enorme lacuna na assistência integral destes pacientes.
Em 1980, como o INAMPS não honrou com seus compromissos financeiros com o Hospital Felício Rocho – não arcando com as despesas para tratamento odontológico dos hemofílicos – criou-se um verdadeiro caos para os hemofílicos que passaram a ser atendidos no Rio de Janeiro ou em São Paulo, o que obrigou o superintendente do INAMPS, o Dr. José Luiz de Vasconcelos Barros, a instituir o serviço de Odontologia em um hospital do INAMPS, o hospital Alberto Cavalcanti. Porém houve muita resistência da diretoria deste hospital, que na época fez de tudo para que a Odontologia não fosse instalada.
Em junho de 82 foi estabelecido um convênio entre o Ministério da Saúde e o Governo de Minas, representado pela FHEMIG (Fundação Hospitalar de MG) e a UFMG. Assim, criaram o HEMOCENTRO de Minas Gerais, a fim de desenvolver um programa nacional de sangue (PROSANGUE). Em 1985 foi inaugurado o HEMOMINAS com a finalidade de dar suporte aos 250 pacientes hemofílicos cadastrados no hospital Alberto Cavalcanti.
Nesta oportunidade, por já ser uma referência na área de Odontologia Hospitalar, recebi o convite para assumir a coordenação do serviço, estabelecer a organização e a criação de protocolos clínicos para otimizar o atendimento odontológico especializado aos hemofílicos. Também houve a inclusão de mais dois dentistas clínicos na equipe e a ampliação da assistência odontológica. A partir de então atuei como coordenador da área cirúrgica do serviço de Odontologia do HEMOMINAS, função que exerço até hoje.

PMO: Quais eram as doenças mais frequentes nos pacientes atendidos e quais as dificuldades mais comuns durante o atendimento em centro cirúrgico?

Dr. Paulo Martins: Mesmo após assumir a chefia odontológica no HEMOMINAS as dificuldades continuaram, principalmente na área cirúrgica devido à falta de fatores de coagulação, de hemostáticos locais e da cola de fibrina – produto inovador que, nesta época estava sendo lançado no mundo. As doenças hereditárias mais comuns, atendidas pela odontologia no HEMOMINAS, são a hemofilia A e B, a doença de von Willebrand, as trombastenias (Glasmann) e as deficiências de fator V e VII.
As dificuldades mais comuns no centro cirúrgico normalmente eram associadas à intubação realizada (oro-traqueal) o que dificultava o trabalho de pessoal despreparado (auxiliar de enfermagem, circulantes, enfermeiras e do próprio anestesista) sem falar que não havia equipo no bloco, motores, etc…

PMO: Havia algum serviço na época que realizava trabalho semelhante? Quem o inspirou e serviu de referência para a implantação do serviço?

Dr. Paulo Martins: Em 1975 não havia nenhum serviço em Belo Horizonte como referência de atendimento odontológico aos hemofílicos. Eu, como médico e dentista do Hospital Felício Rocho, e com a experiência acumulada nestes anos todos, passei a ampliar os atendimentos para outros casos da Hematologia também no HEMOMINAS, como anemias falciformes, leucemias e púrpuras trombocitopênicas. Gostaria aqui de fazer uma homenagem ao nosso chefe do serviço de Hematologia e Hemoterapia do Hospital Felício Rocho, grande incentivador e motivo de inspiração, Dr. Romeu Ibraim de Carvalho (ainda atuante).

PMO: Que mensagem o senhor deixa para os dentistas que querem se dedicar ao atendimento hospitalar.

Dr. Paulo Martins: Fazer prevenção sempre em todos os níveis, documentar o que puder e se possível publicar, se organizar em associações, lutar para reconhecimento na sociedade e mobilizar a classe.