Perguntas como esta têm sido feitas por pacientes, farmacêuticos, dentistas e até por conselhos profissionais, mas por diversos motivos as respostas não são padronizadas, gerando confusão e mal estar entre profissionais, farmacêuticos e pacientes. Este texto tem por objetivo esclarecer algumas dúvidas, emitir alertas e servir de base para a resposta aos vários questionamentos.
Segundo a lei 5081 de 1966, que regulamenta a Odontologia no Brasil, no artigo 6º, parágrafo 2º, compete ao CD prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, indicadas em Odontologia. Com base neste raciocínio não há restrição direta ao uso de qualquer medicamento, apenas a consideração que este se preste às necessidades estomatológicas do tratamento proposto.
Desta forma, se uma droga classificada como antidepressivo for útil para a recuperação de condições orofaciais ela pode ser receitada pelo cirurgião dentista. Esta situação se aplica, por exemplo, em casos de síndrome de ardência bucal, de odontalgia atípica, nas dores crônicas e em outras neuropatias periféricas orofaciais que venham a necessitar da atuação exclusiva ou multiprofissional de um cirurgião dentista.
A rotulação de uma medicação em função de sua aplicação clínica geralmente é feita com base histórica (e.g. antihistamínicos, antihipertensivos, etc.), o que não significa que esta seja a única função farmacológica de uma substância. Um exemplo simples é o ácido acetilsalicílico, que normalmente é classificado como anti-inflamatório e analgésico – onde usualmente cabe a prescrição odontológica. Mas também pode ser utilizado como antiagregante plaquetário para prevenção de doenças tromboembólicas – fora da alçada do CD.
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A recusa na entrega do medicamento ao paciente por preconceito, sem base lógica ou sem consulta ao profissional pode representar grave infração ética, repercutindo negativamente na relação paciente-profissional
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Assim, só é vedada a prescrição de antidepressivos, para si mesmo ou para terceiros, se estes forem indicados para o tratamento de depressão, alterações de humor, cefaleia, neuropatias sistêmicas, insônia ou quaisquer outras condições fora do âmbito da Odontologia.
O mesmo raciocínio se aplica a outras substâncias farmacoativas que precisem ser prescritas pelo CD – em certas situações, por exemplo, é necessária a prescrição de opióides, ansiolíticos, anticonvulsivantes, miorrelaxantes, sialagogos, imunomoduladores e várias outras substâncias aplicáveis ao tratamento de doenças orofaciais, porém menos usualmente prescritas por estes profissionais.
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Apesar de ter base legal, a indicação de medicamentos pelos CDs deve seguir as mesmas regras técnicas das prescrições médicas…
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Quando ocorrer dúvida do farmacêutico ou dos pacientes sobre a plausibilidade da prescrição odontológica, é aconselhada a consulta reservada ao cirurgião-dentista para esclarecimentos (por telefone ou por escrito), ou até mesmo ao Conselho Regional de Odontologia, que deve possuir quadros profissionais com conhecimento adequado para a emissão de pareceres.
A recusa na entrega do medicamento ao paciente por preconceito, sem base lógica ou sem consulta ao profissional pode representar grave infração ética, repercutindo negativamente na relação paciente-profissional. Além disso, o paciente que deixar de utilizar uma medicação recomendada pelo seu CD, pode ter seu tratamento prejudicado e seus sintomas exacerbados.
Apesar de ter base legal, a indicação de medicamentos pelos CDs deve seguir as mesmas regras técnicas das prescrições médicas, assim, é necessário que este profissional tenha domínio pleno sobre a utilidade do fármaco, suas vias de administração, dosagens, interações medicamentosas, efeitos colaterais, contra-indicações relativas e absolutas, além de saber lidar com as reações adversas mais comuns. Também é importante que os casos sejam bem acompanhados para agilizar a interrupção do uso assim que os benefícios terapêuticos sejam alcançados.
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4 Comments
Você pode falar mais sobre a síndrome da ardência bucal, por gentileza? De tempos em tempos minha boca, especialmente a língua, arde muito, a ponto de dificultar a alimentação, mas ninguém nunca me deu atenção…
Estou aprendendo muito com você.
Admiro sua doação à profissão.
Já havia lido, inclusive, que há um tipo de anemia com esse sintoma, mas não sabia da existência da síndrome da ardência bucal.
Gostei muito do seu esclarecimento
Cirurgião dentista pode prescrever ansiolítico no caso de bruxismo de vigília?