A criação das novas especialidades na última ANEO (Assembleia Nacional das Especialidades Odontológicas) em 2002 faz parte de um processo democrático e aberto de legitimar novas áreas de atuação e conhecimentos.

Isto poderia ser visto como fazendo parte da evolução natural da profissão, na medida que acompanha tendências antes não privilegiadas por especialidades já existentes.

Nos últimos anos, no entanto, tenho me empenhado em trazer um outro ponto de vista sobre esta conduta do CFO. Pois, o que aparentemente soa como democracia e liberdade de expressão, pode na verdade provocar uma fragmentação e enfraquecimento de especialidades já existentes.

Talvez isso ocorra com facilidade na Odontologia pela falta de representatividade das associações de especialidade que, em nosso caso, não gerem as especialidades de fato, sendo apenas núcleos de divulgação científica e acadêmica. Quem o faz de fato é o CFO.

O caso da Estomatologia é exemplar.

Na sua criação há algumas décadas, adaptada do modelo norte-americano e europeu de Medicina Oral, havia a intenção de que fosse muito mais ampla do que se apresenta hoje, abrangendo também o atendimento aos pacientes sistemicamente comprometidos e a dor orofacial. O que naturalmente a levaria a ser a especialidade responsável pela Odontologia Hospitalar.

Talvez por inércia ou falta de visão estratégica, a Estomatologia se acomodou em um contexto de formação por especializações de formato reduzido, prático e teórico, regida pelo CFO, sem as necessárias residências.

E se concentrou nas ações relacionadas ao diagnóstico oral das alterações patológicas da cavidade oral e anexos, especialmente da mucosa oral.

Assim, em 2002, abriu-se espaço para a criação da OPNE, Odontogeriatria e Dor Orofacial, fragmentando a Medicina Oral originalmente planejada, mas não cumprida.

Na última década especialistas em Periodontia resgataram de forma magnífica o conceito da importância do controle do meio ambiente bucal em ambiente hospitalar para a prevenção e minimização dos efeitos da ação de biofilmes nos dentes, próteses e tubos de ventilação mecânica.

A Odontologia Hospitalar então ganhou força e, especialmente no ambiente de cuidados intensivos, projeta a criação de nova especialidade, habilitação ou certificação, fragmentando mais ainda os conhecimentos e filosofia original da Medicina Oral.

No último encontro das Comissões de Odontologia Hospitalar, em Natal-RN, foi levantada a preocupação com esta proposta em futura ANEO, a ser promovida em breve pelo CFO.

Foi votada então, e aprovada, a resolução de que a OH deva ser uma área de atuação sem que uma nova especialidade seja criada. Mas, se houver maioria, em uma futura ANEO, de delegados que queiram criar uma nova especialidade, todo este esforço das comissões pode se esvair.

No sopro de mudanças que as manifestações de rua trazem, a Odontologia também não pode ficar de fora. A criação de novas especialidades por futura ANEO talvez não seja uma opção adequada em termos institucionais, na medida que as especialidades existentes não têm força política para evitar que conhecimentos novos sejam levados a condição de especialidade, subdividindo e enfraquecendo o conhecimento original.

O modelo da Medicina, onde as especialidades possuem a capacidade de autogestão nas emissões de títulos de especialista, com a AMB sendo a regente oficialmente respaldada pelo CFM, pode ser uma solução mais adequada.

Assim, ao CFO, é sugerida uma revisão de seu papel regulador das especialidades odontológicas, cedendo espaço para que entidades das especialidades possam ter mais relevância na emissão e reconhecimento de titulações.

E, quem sabe, um novo conceito possa ser criado em futuras ANEO, o de fusão de especialidades. Exemplos já estão surgindo.