Como sabem os que me conhecem, sou um ardoroso defensor da Medicina Oral. Passei por várias vivências na Odontologia e, quando afirmo que não há vida inteligente exercendo a Dor Orofacial fora da Medicina Oral, tenho base para isso.

O caso abaixo é mais um exemplo que mostra como é importante a busca do conhecimento para o esclarecimento diagnóstico. E diagnóstico é como fazer um passeio no meio da floresta. Nós só vemos o que conhecemos.

Recebi o paciente JES, do sexo masculino, com 25 anos de idade, em março de 2005 no Serviço de Odontologia do Hospital Geral onde atuo, com queixa de dor articular severa em ambas ATM presente há quatro meses. Ele apresentava ainda uma marcante limitação do movimento mandibular e os ruídos articulares eram ausentes. Ao exame intraoral observei a ausência do 16, mas a oclusão era estável e a MIH não diferia da relação cêntrica. Não eram notados desgastes excessivos nem relatos de parafunção. À ectoscopia notei um aspecto sindrômico mas não consegui definir qualquer hipótese diagnóstica. Os membros eram compridos e finos assim como os dedos das mãos, porém não havia critérios de hipermobilidade.

 

Fiz a prescrição de AINES, orientações de repouso mandibular, crioterapia e solicitei uma radiografia panorâmica. O paciente retornou com leve e inexpressiva melhora. O exame radiológico mostrava alterações condilares bilaterais com osteófitos e acentudada planificação sugerindo osteoartrite.

Optei pela confecção de placa oclusal estabilizadora. Após duas semanas de uso o paciente já apresentava alívio sintomático significativo e aumento da amplitude de movimento. Com dois meses não havia mais dor à função normal e a abertura máxima já ultrapassava os 40 mm.

Apesar do sucesso terapêutico continuei a investigação clínica por não haver nenhum fator etiológico que justificasse uma perda óssea tão avançada em um paciente tão novo. Pela semelhança com as imagens que ocorrem na Artrite Reumatóide manifestando-se nas ATM, pedi parecer à Reumatologia apesar de ter consciência que não havia outros critérios diagnósticos para esta doença.

Recebi o laudo do Reumatologista apenas confirmando minhas observações clínicas sem, contudo, acrescentar nada ao diagnóstico. Iniciei então meu estudo para o caso procurando relatos semelhantes, especialmente atentando para síndromes relacionadas à membros alongados e osteoartrites. O diagnóstico que me pareceu mais pertinente foi de Síndrome de Marfan (SM) pelos relatos de aracnodactilia, estatura elevada, membros finos e alongados e possibilidade de alterações articulares semelhantes à este caso. O medline também citava alguns relatos de disfunções da ATM associada a SM.

A SM, sendo uma doença do colágeno, também pode apresentar alterações em outros sistemas. Na aorta abdominal pode haver predisposição a aneurismas que podem ser fatais se não houver prevenção adequada. Entrei em contato com a Sociedade Brasileira de Marfan e conversei com a sua presidente à época que me relatou ser comum a descoberta de SM em indivíduos adultos por desconhecimento da classe médica. Orientou-me sobre ser o cardiologista o melhor profissional para fazer o diagnóstico definitivo por sua associação às complicações vasculares.

Encaminhei o paciente ao Serviço de Cardiologia que fez os exames de Ultrassom e Eco-Doppler vascular não encontrando as alterações típicas da SM, porém, confirmando os achados Marfanóides. Após nova consulta à base de dados vemos relatos de variações Marfanóides apresentando algumas, mas não todas características da SM. O paciente foi atendido pela última vez em março de 2008 apresentando-se livre de sintomas articulares e com movimento mandibular limitado à 42 mm, porém sem comprometimento da qualidade de vida. Ele foi orientado a executar exercícios de compensação de hipomobilidade para evitar novos episódios de limitação do movimento. Novas radiografias não mostraram maiores alterações no aspecto condilar com acentuada reabsorção bilateral.

 

Espero que com este relato eu tenha fomentado a curiosidade pela busca do diagnóstico definitivo e comprovado. E que sirva de estímulo à procura por uma solução em situações onde, mesmo o médico, pode não ter o pleno conhecimento.