Nosso querido Mestre se foi em 25/07 último e deixará saudades. Como pessoa e como um homem que era, mais que tudo, um fã da ciência. Eu o conheci em 1986 como professor da disciplina de Patologia Bucal da Universidade Federal Fluminense, mas a matéria era algo que, apesar de importante, sempre ficou em segundo plano. O que ele sempre quis foi nos ensinar a pensar.
Confesso que tive dificuldades em um primeiro momento. Não entendia como podiam ser secundárias as informações catalogadas naqueles compêndios que me pareciam tão impossíveis de decorar. As conseqüências clínicas das alterações morfológicas eram a base de todo conhecimento odontológico (e médico). A patologia era a mãe de todas as disciplinas com sua ampla abordagem epidemiológica, clínica, histopatológica, prognósticos e qualquer assunto que não decorresse destas seria, eu pensava, uma enorme perda de tempo.
Abro aqui um parênteses pois eu já estudava patologia bucal desde o primeiro período da faculdade e esperava muito dessa disciplina. Mas quem encontrei? O Professor Salles Cunha. E ele só falava de Planck, Einstein, Copérnico, Galileu, Poppe e outros autores que eu não via nas referências do Shafer (o livro de Patologia Bucal que havia). Eu perguntava: _ Professor, o Sr. esteve com o Shafer nos EUA, como foi o contato? Mas ele desconversava e continuava com as fugas, entremeadas com as fusões, concrescências e dilacerações da básica patologia bucal.
Outro tema que continuamente povoava as suas aulas eram os mitos odontológicos. Ele adorava citar as iatrogenias sem base científica, e caçoava dos que ainda as aplicavam como a injeção de vitamina K para estancar hemorragias, a prescrição de benzetacil para os abscessos, o uso de anestésico sem vasoconstrictor para hipertensos e por aí vai. Aprendi que a vida acadêmica pode ser muito rica em termos de palavras chulas para com os adversários. Esse era o Prof. Salles Cunha!!!
Saí da disciplina dele com a chama da ciência acesa em algum lugar da minha mente e devo muito do que sou a ele e este primeiro convívio.
Depois o reencontrei na Policlínica Geral do Rio de Janeiro como um dos colaboradores na clínica de Dor Orofacial e aprendi a chamá-lo de Marcos. Voltei a UFF em 2000 para o mestrado em Patologia Bucal e em 2004 defendi minha dissertação. Tive um certo receio de lidar com a banca, que era composta de autoridades internacionais, mas pude ser convincente e me saí bem com ela. O difícil foi um certo membro da platéia (que insistia em me criticar embora estivesse ali para me defender), entender que eu não era mais aquele garoto de 20 anos atrás. Apesar disso, agradeço ao Marcos de Salles Cunha, meu orientador, por todas as críticas que sofri e por todas as fugas de tema que tive que engolir. E por me fazer entender que a ciência não é boa ou má, ela só é o que é.
Nos últimos dias liguei para o Marcos e quis saber como ele estava. Ele me disse que, apesar da gravidade da doença, ainda tinha alguns livros (de física) para ler.
Que o Céu da Ciência se ilumine contigo.